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Depressão, um adeus possível

No Brasil, as mulheres consomem 70% dos antidepressivos. Mas nem só de remédio é feito o tratamento da depressão. O que é preciso saber para dizer adeus a essa tristeza profunda

Cristina Nabuco | Foto Karine Basilio

No mundo, 121 milhões de pessoas estão deprimidas. No Brasil, 18% da população tem a doença, na proporção de duas mulheres para cada homem (com o fim das oscilações hormonais, na menopausa, a incidência entre nós diminui, igualando- se à masculina). Segundo dados do Ministério da Saúde, as mulheres são responsáveis pelo consumo de 70% dos antidepressivos. Mas isso não quer dizer que estejam tratando corretamente o problema. Em muitos casos, os remédios são utilizados de forma indiscriminada e em doses inadequadas. Além do mais, sabe-se hoje que algumas drogas podem ser substituídas ou ter sua ação complementada por psicoterapia, exercícios, meditação e acupuntura ou por novidades que incluem até a adoção de modernos eletrochoques. Um diagnóstico bem-feito é o ponto de partida para definir com que armas o paciente combaterá o mal, que, em 2020, conforme o ranking de doenças incapacitantes da Organização Mundial da Saúde, ultrapassará o diabetes, a hipertensão e a dor nas costas, perdendo apenas para os distúrbios cardíacos. Mas o que é, de fato, depressão? Muitos confundem: uma coisa é ficar triste com a morte de uma pessoa querida,com a separação de um grande amor ou com uma demissão. Isso passa. Bem diferente é enfrentar um luto sem fim que permeia várias áreas da vida e rouba o interesse por tudo o que é prazeroso. Nem todos os casos terminam em prostração na cama. As formas leves não impedem a pessoa de trabalhar. Porém, ela vive esgotada, sem humor e acaba tendo a saúde abalada. O risco de menopausa precoce cresce 20% e aumenta o perigo de ataque cardíaco. Os deprimidos ainda estão sujeitos à degeneração das células nervosas e à perda da memória.

PARA SUPERAR A DOR

Os melhores resultados são atingidos quando a depressão é tratada como uma doença multifatorial. "Ela não está ligada apenas a um desequilíbrio na química cerebral corrigido com medicamentos", diz Renério Fráguas, do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. "Às vezes, decorre de fatores psicológicos e o paciente necessita de psicoterapia para se recuperar." Um tratamento não funciona do mesmo modo para todos. A abordagem, segundo o professor de psicologia médica da Unifesp, Mario De Marco, deve ser individualizada. Embora os recursos estejam em expansão, calcula-se que menos de um terço dos deprimidos receba cuidados. Profissionais que participaram do encontro da Academia Americana de Psiquiatria, em 2005, afirmaram que a maior barreira é o preconceito: pacientes e familiares consideram a depressão um sinal de fraqueza. Com isso, a pessoa só vai ao médico quando o quadro está avançado. Confirmado o diagnóstico, as opções de tratamento são:

REMÉDIOS Várias drogas normalizam as concentrações dos mensageiros químicos cerebrais, favorecendo a atividade das células nervosas. Algumas, como a fluoxetina e a sertralina, atuam sobre a serotonina (que estabiliza humor, sono e apetite). Já a venlafaxina e a duloxetina têm dupla ação: interferem na serotonina e na noradrenalina, que é responsável pela disposição. Em média, demoram duas semanas para agir, mas os efeitos colaterais podem aparecer de imediato: boca seca, náuseas e queda do desejo sexual. Metade dos usuários responde bem à prescrição. O restante necessita de ajustes na dose ou de troca de remédio. O tratamento dura até dois anos e não deve ser interrompido, pois há risco de recaída.

PSICOTERAPIA Duas linhas de terapia breve ajudam a controlar a crise. A terapia comportamental cognitiva (TCC), desenvolvida nos anos 70 pelo psiquiatra americano Aaron Beck, parte do princípio de que os padrões de pensamento determinam as ações, por isso estimula o paciente a reconhecer e a modificar visões distorcidas da realidade, adotando novas formas de agir. Um estudo do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos sobre a TCC revelou que o risco de suicídio em pacientes que já haviam tentado se matar antes caiu pela metade. Ela parece obter sucesso até por telefone, com deprimidos que não saem de casa. Já a terapia interpessoal aprimora a capacidade de se relacionar e de resolver conflitos. Sua eficácia equivale à da terapia cognitiva, de acordo com a tese de doutorado do psiquiatra Marcelo Feijó de Mello, apresentada na Unifesp.

ELETROCONVULSOTERAPIA (ECT) Os polêmicos eletrochoques do passado foram modernizados e voltaram a ser adotados em situações graves, quando o paciente corre risco de suicídio e não responde a antidepressivos prescritos por um ano. Anestesiado, com os sinais vitais monitorados, ele recebe uma descarga elétrica de dois segundos, que provoca uma convulsão, aumentando a concentração de neurotransmissores ligados ao bem-estar. A psiquiatra Márcia de Macedo Soares, do Instituto de Psiquiatria da USP, garante que o procedimento é seguro, eficaz e tem sido indicado até para gestantes e idosos.

ESTIMULAÇÃO VAGAL Reservada aos casos graves. Um aparelho elétrico semelhante a um marca- passo estimula o nervo vago (integrante do sistema nervoso autônomo), reequilibrando a atividade cerebral. O pequeno gerador é implantado cirurgicamente no peito do paciente e dele sai um fio, adaptado sob a pele do pescoço. Foi desenvolvido com base em estudos da acadêmica americana Helen Mayberg, que observou diferenças entre os níveis de atividade do cérebro dos deprimidos. Foi aprovado pelo FDA, órgão que controla medicamentos nos Estados Unidos. Custa até 20 mil dólares e não está disponível no Brasil.

ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA (EMT) Utiliza ondas eletromagnéticas para provocar alterações na atividade das células nervosas. Um estudo liderado pela médica Raffaella Zanardi, de Milão, divulgado em janeiro, mostrou que o tratamento pode acelerar a ação dos antidepressivos. Hospitais universitários de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília já aplicam o método.

ATIVIDADE FÍSICA Ela ajuda na resposta ao medicamento, ampliando a concentração de serotonina. Especialistas da Universidade do Texas investigam se os exercícios mais eficazes são de média ou alta intensidade. Professores da Faculdade de Educação Física e Esporte da USP criaram um programa para pacientes tratados com antidepressivos que inclui caminhada, exercícios localizados, alongamento e bicicleta. Na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, um grupo com depressão leve e moderada foi submetido a 30 minutos na esteira, três vezes por semana. O resultado foi melhor do que o observado entre os que só tomavam remédio.

ACUPUNTURA As milenares agulhas chinesas têm sido testadas em gestantes, já que o uso do antidepressivo na gravidez é controverso. A médica Rachel Manber, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, aposta na eficácia do método. A explicação: é possível que as agulhas modulem a produção de neurotransmissores. O diretor da Liga de Acupuntura da Faculdade de Medicina da USP, Daniel Pimentel, acredita que a técnica pode até substituir o remédio em idosos debilitados.

MEDITAÇÃO "As pesquisas sobre o tema trazem conclusões promissoras", afirma a bióloga Elisa H. Kozasa, da Unidade de Medicina Comportamental do Departamento de Psicobiologia da Unifesp. Numa delas, a meditação associada à terapia cognitiva promoveu um alívio de sintomas equivalente ao dos fármacos, com a vantagem de apresentar índices bem menores de recaída. Num trabalho feito pela bióloga, 33 pessoas ansiosas, de 18 a 65 anos, tiveram uma redução da depressão e relataram bem-estar geral após meditarem diariamente por 20 minutos, realizando exercícios respiratórios na seqüência.

FITOTERAPIA O hipérico (erva-de-são-joão) traz benefícios nas depressões leves. "Mas é importante ressaltar que se trata de um remédio como qualquer outro, com risco de interação medicamentosa", diz Renério Fráguas. Suspeita-se que reduza a eficácia da pílula anticoncepcional e, por isso, requer acompanhamento médico.

DE ONDE VEM TANTA TRISTEZA?

A depressão não decorre apenas da queda nas taxas de serotonina. "O problema é mais complexo e se origina nas células nervosas, que perdem a capacidade de sintetizar as proteínas necessárias à comunicação entre elas", diz o psiquiatra Renério Fráguas. Por que isso acontece? Provavelmente por causa da predisposição genética: algumas pessoas nascem com a tendência. Filhos de depressivos têm três vezes mais probabilidade de apresentar o quadro. Alguns fatores servem de gatilho: stress físico e psicológico, oscilações hormonais (por isso a depressão é comum no pós-parto), doenças (em especial as da tireóide), remédios de uso contínuo (certas pílulas para emagrecer e tranqüilizantes do tipo benzodiazepínicos), além das drogas (álcool, cocaína e anfetaminas). Portanto, o médico tem que investigar as hipóteses. "No caso do stress, não é o fato em si, como um divórcio, que faz a diferença, mas o significado que se atribui a ele", diz o professor Mario De Marco. Uma das maneiras de prevenir o estado depressivo ou abortá-lo é localizar as fontes de stress e administrá-las melhor. Se for impossível, é preciso tentar alterar a maneira como se reage fisiológica e emocionalmente ao fato. Vale investir em algo que descarregue as tensões e traga prazer.

SOCORRO RÁPIDO

Procure o médico se, além do mau humor, quatro dos sintomas abaixo persistirem por mais de duas semanas

• Alteração dos hábitos de sono
• Pessimismo e sensação de ruína ou culpa
• Tristeza profunda
• Dificuldades de raciocínio e concentração
• Mudanças no apetite
• Pensamentos freqüentes de morte e de suicídio
• Isolamento
• Dores musculares crônicas e incapacitantes
• Fadiga constante
• Desinteresse por atividades antes prazerosas
• Irritabilidade
• Perda de desejo sexual

REALIZAÇÃO NORIS MARTINELLI
PRODUÇÃO SYLVIA RADOVAN
CABELO E MAQUIAGEM SANDRO BORGES
MODELO ANNA LUIZA, FORD
http://claudia.abril.com.br/edicoes/535/fechado/atualidades_gente/conteudo_125499.shtml

 


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